sexta-feira, 1 de maio de 2009

Cinderela e o hoax encantado

Era uma vez uma moça que se apaixonou à primeira vista por um rapaz em uma lanchonete de Sydney (Austrália). Ele estava lá, trabalhando em seu notebook, e os dois começaram a conversar. Ela achou o moço maravilhoso, inteligente, engraçado. Houve uma conexão imediata. Mas ele teve que ir embora às pressas e esqueceu o seu casaco na cadeira. A moça não teve dúvidas, guardou a peça de vestuário e publicou um vídeo no YouTube, mostrando o casaco e pedindo para que seu amado enviasse um e-mail para ela. Detalhe: ela criou um endereço de e-mail e uma página na Internet específicos sobre o assunto. Moderninha, não?

Jornais e estações de rádio e TV do país se jogaram aos pés da Cinderela às avessas. Ela foi entrevistada por várias emissoras e até o mais respeitado jornal de Sydney, o The Sydney Morning Herald, publicou matéria sobre o assunto. Até que uma locutora de rádio perguntou: “Em que dia mesmo você conheceu o rapaz?” Ao ouvir a resposta, a locutora estranhou: “Por que ele estava usando um casaco de inverno em uma tarde tão quente de verão?” (o fato ocorreu no último mês de janeiro).

A história, que já estava muito mal contada, teve que ser desvendada. A agência Naked Communications informou que o fato não passava de um hoax, criado para divulgar a nova coleção de inverno da empresa Witchery Man. Em seguida, a moça publicou outro vídeo no YouTube, dizendo ser uma atriz e que só aceitou participar da campanha porque é uma romântica inveterada. Hum...

O que mais me admira é que todos os jornalistas dos veículos de comunicação caíram no conto da Cinderela. Lembro-me que na faculdade de jornalismo uma das palavras mais ouvidas por nós alunos era "investigação". Nada de publicar algo sem ter certeza, compromisso com a verdade, etc. Atualmente parece que, se um vídeo conseguiu milhares de views no YouTube, isso é o suficiente para acreditar que o fato seja verdadeiro. No caso do casaco abandonado, uma simples busca na Internet pelo nome da falsa apaixonada já seria suficiente para deixar qualquer repórter com as orelhas em pé.

No início dessa semana, um outro vídeo de uma entrevista sobre o caso foi publicado no YouTube. Um dos sócios da agência, Adam Ferrier, defende a estratégia utilizada e diz que eles queriam que as pessoas comentassem o fato e falassem sobre o produto. A ideia era criar um mito, algo que se prolongasse e atingisse o status de uma “teoria da conspiração”, quando então ninguém mais saberia se era verdade ou mentira, passando para um plano superior.

No vídeo, um dos espectadores pergunta se uma marca não deve ser autêntica e transparente. Ferrier responde que ele não sabe se existem regras sobre autenticidade e transparência. Diz que uma empresa deve ser autêntica e transparente naquilo que é importante e que tem impacto sobre o mundo. Mas, ao criar um caso fictício ou mítico, você não precisa ser sempre transparente em cada coisa que faz. O espectador, não convencido com a resposta, pergunta diretamente: “Foi certo utilizar uma mentira nesse caso?”

Ferrier insiste na ideia de se criar um mito, uma ambiguidade, e desabafa: “Nós (a sociedade) ainda não estamos prontos para isso”. Segundo ele, teorias da conspiração permanecem por anos e anos, porque existe a dúvida. No momento em que a dúvida foi quebrada, toda a organização e toda a mitologia estabelecidas em torno da criação do fato também foram rompidas. Por isso, decidiram revelar logo a verdade, mesmo que a ideia inicial fosse para que a campanha durasse mais.

O espectador pergunta se eles não foram muito longe ao plantar a história na mídia. E Ferrier se defende. "Nós não plantamos na mídia. Nós plantamos na percepção da mídia" (o buzz foi gerado a partir do YouTube; não houve nenhum lançamento oficial da campanha). Para ele, a criação era interessante e eles não foram muito longe, de forma alguma.

Será que ele está certo? Nós ainda não estamos preparados para as possibilidades criativas que a tecnologia e as novas mídias apresentam às estratégias de marketing, particularmente de branding? Ou será que o espectador é que está correto, ao afirmar que usar uma mentira para emocionar a população como se fosse uma linda história de amor foi uma tentativa forçada de impor uma marca ou produto na mente do consumidor?

Ah, sobre o produto... O casaco ficou mesmo abandonado. Não em uma cadeira da lanchonete, mas no meio da discussão do certo, errado, autêntico ou transparente.
Seguem os vídeos da campanha:





Um comentário:

Reinaldo Cirilo disse...

Adorei a idéia, acho que nossa geração está preparada sim para este tipo de campanha, e isto será o futuro do Marketing e da Propaganda.